Eu tinha talvez uns sete anos de idade e morria de medo de meu avô paterno, Raphael. Ele era um homem grande, imponente, forte, "self made man" por excelência, e as histórias a seu respeito o precediam sempre. Ele se sentava na varanda de sua grande casa, na rua Paraná em Ourinhos, onde hoje funciona uma empresa de eventos, e ficava olhando os transeuntes e lendo o seu jornal. Assinava o "Folha da Noite", precursor da Folha de São Paulo e com seus óculos grossos, percorria cada página em busca de informações e novidades. Naquele dia, eu cheguei como sempre, com um adulto, e fui lhe pedir a benção. Ele me chamou para sentar ao seu lado, eu hesitei, porque o delicioso cheiro de sonhos e outros quitutes que vinha de dentro do casarão era como um imã me atraindo. Pegou a folha de esportes do jornal, dobrou e me mostrou uma manchete e uma foto: aparecia um jovem taciturno, ao lado de um carro de corridas, acho que era um Karman Guia, me lembro do patrocínio da Bardhal, e disse: esse rapaz aqui é seu primo. O nome dele é Emerson. Olha uma coisa que você deveria fazer quando crescer: ser pilotos de corrida.
Não creio que entendi a dimensão daquela frase naquele momento. Jamais antes, ou depois, tive um momento desses com meu avô. Ele era fechado, formal, majestoso. Mas naquele momento, por alguma razão, me deu atenção. Eu era o neto homem mais velho, mas nem por isso tinha algum tipo de privilégio, ou coisa assim. Dois anos depois, meu avô estava morto, em fevereiro de 1969, e jamais viu o sucesso daquele rapaz de mãos no bolso, que carregava um sobrenome em comum, com o orgulhoso Rapahel Fittipaldi.
Meu pai já comprava revistas "Quatro Rodas" e "Autosporte" - coleção que em boa parte, intacta, está em meu poder ainda hoje. Os meninos de minha sala de 4ª série zombavam de minha obcessão em desenhar carros de corrida (charutinhos) em meus cadernos. O ano de setenta foi todo dedicado ao futebol. A copa do tri, no país dos militares e do oba-oba só tinha espaço para Pelé, Gerson, Tostão e Jairzinho. Ganhei de meu outro avô, materno, Bernardo Navas - um espanhol corintiano, de quem, quase trinta anos após sua morte, tenho muitas saudades, uma bicicleta Monark "Olé 70". Eu a imaginava uma Lotus 49C! No final daquele ano, Emerson, já na Formula 1 ganhou o Grande Prêmio dos EUA em Watkins Glenn, mas a repercussão aqui foi mínima. Setenta e um foi difícil para ele, pois sofreu um acidente numa estrada, e isso prejudicou sua temporada. Wilsinho e Moco se preparavam para ir para a Formula 1. No começo de setenta e dois, houve a corrida extra-campeonato em Interlagos, e eu com 12 anos queria muito ter ido, mas não consegui. Morria de inveja de quem estava lá, eu conhecia o grid todo de cor e salteado.
A partir do GP de Mônaco, a TV Globo passou a mostrar todas as corridas ao vivo, e isso fez do esporte uma coisa de massa. Emerson dominou o campeonato com aquela linda Lotus negra e se tornou um nome conhecidíssimo. Na escola, as gozações com todos os primos Fittipaldi era inevitável, e a gente levava numa boa. Tínhamos orgulho do sucesso daquele primo distante, a quem nem sonhávamos conhecer pessoalmente.
Fui vê-lo pessoalmente pela primeira vez durante o Salão do Automóvel em setenta e quatro, em Sâo Paulo. Eu, um tímido estudante do interior, prestes a completar 15 anos de idade, que conhecia tudo sobre o ídolo, que quis o destino dividia o mesmo sobrenome, estava na fila de autógrafos, e na falta de coisa melhor, coloquei na mão da moça, minha carteirinha de estudande do "Horácio Soares". No meio daquele monte de papéis e caderninhos em que ele rabiscava seu nome, Emerson levantou os olhos a procurar quem seria aquele garoto e nossos olhos se encontraram. Ele sorriu, acenou e me fez um sinal de positivo. O que aquele gesto significou para mim, foi além do que poderia descrever em palavras. Há muito havia decidido que queria ser um piloto também, e aquilo foi como um incentivo.
Alguns anos depois, ás vésperas de embarcar para a Inglaterra em busca de meu sonho, através de meu querido tio Aldo, recentemente falecido, tive a oportunidade de ir conhecer em pessoa, o meu ídolo. Fomos ao seu escritório na Avenida Faria Lima em São Paulo, e me lembro de seu carisma, suas roupas elegantes, seu perfume importado. Foi super atencioso, e me deu uma carta de recomendação, que aliás já postei aqui, endereçada ao Jim Russell. Na época, 1980, já pensava em aposentar-se como piloto, e a equipe Fittipaldi passava por dificuldades.
Na Inglaterra fui conquistando meu pequeno espaço. Ralava muito, juntava dinheiro e fui fazer a escola de pilotagem. De vez em quando ligava para a fábrica da Fittipaldi em Reading, e Emerson, gentilmente, sempre retornava minhas ligações. Me lembro de uma vez, que me convidou a visitá-lo num sábado, peguei o trem e como combinado, ele mandou alguém para me apanhar na estação. Eu só não esperava, que esse "alguém" fosse o Keke Rosberg, numa incrível Mercedes AMG, que aliás foi super simpático. Naquele dia, na fábrica estavam, além de Emerson, Keke, Chico Serra, piloto da equipe, o Alex Dia Ribeiro, a quem sempre admirei.
Em outra ocasião, Emerson me apresentou ao George Harrison, e eu nem para tirar uma foto ao lado daquele monstro sagrado! Me encontrei com o Emerson durante os testes coletivos da Formula 1 em Jacarepaguá (ainda não me conformo em terem destruído aquele autódromo) em começo de oitenta e quatro, onde também testava o Ayrton Senna. Emerson, naquele dia me apresentou a Tereza, sua nova esposa. Os anos passaram, Emerson virou Emmo, caiu, faliu, levantou-se e sempre mostrou um exemplo de caráter e determinação, de quem é predestinado. Se eu tive um ídolo na vida (e não gosto da idéia de ídolos, afinal somos todos humanos e falíveis ao extremos) este tem um nome: Emerson Fittipaldi. Quero deixar um grande abraço a ele no dia de hoje, em que completa 63 anos de vida vitoriosa, e uma pequena homenagem áquele garotinho de sete anos, que sente saudades de seu avô, que sabia das coisas. A vida é feita de fatos e pessoas. Temos que saber admirar quem tem valor, e através de seus exemplos, ampliar nossas dimensões de viver. Parabéns EMMO!
4 comentários:
Belo post, Cézar. ontem à noite, quando queria colocar uma cisa para o homenagear, dei de caras com o tal filme que fizeram sobre a vida dele depois do seu título, "O Fabuloso Fittipaldi".
É um documentário que vale o que vale. Mas gostei da trilha sonora, confesso.
Parabéns, Emerson!
Bonita homenagem Cezar , parabèns . Ele merece . Vida longa ao "Old Mouse" . O cara que mostrou o caminho das pedras .
Parabèns Campeão !!!
Em primeiro lugar, obrigado por compartilhar um pouco de suas histórias, algo que volta e meia aparece em seus posts, e no mais um belo post, uma justa homenagem ao 'Emmo, de um fã como você. Nada mais emocionante que reverenciar um ídolo em uma data tão especial, e melhor ainda quando ele faz parte da família.
Abs.
Cezar, este post deveria ser o primeiro da tua própria saga, embora escrito bem depois de ter começado a contá-la. Muito importante esse episódio com teu avô.
Vida longa ao nosso primeiro grande campeão!
Um abraço.
Daniel
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