terça-feira, 5 de junho de 2012

REPOST: A CORRIDA NO CÉU




Mesmo sendo Deus, Ele se aborrece ás vezes. O universo em toda sua grandeza estava chato demais para entretê-lo. Pensou, pensou, coçou a cabeça e chamou um de seus

auxiliares, o indefectível São Pedro.

“Pedro, aproxime-se. Que marasmo está este Céu. Quero que organize algo para me entreter”.

“Mas senhor... o que posso fazer para ajudá-lo? Já organizamos safáris, olimpíadas, torneios circenses. Trouxemos os melhores cantores clássicos, de ópera, bailarinos, até mesmo algumas escolas de samba. Diga-me Senhor... o que falta?”

“Pedro, você é pago para isso. Vamos, se vire. Com tantos problemas na Terra, estou mesmo precisando de algo que me entretenha.”

Pedro ia mencionar que os seus salários jamais haviam sido pagos, mas como no Céu não há Justiça do Trabalho ou coisa similar, preferiu calar-se. Havia os benefícios que talvez não encontrasse em outro emprego. Enfim, Pedro pôs-se a pensar. Nesse momento passou por ele Cristovão, santo bonachão e que sempre flanava perto da cantina do Céu, pois era comilão e sabia que coisas boas estavam saindo do forno a qualquer hora.

“Cris venha aqui. O Mestre está aborrecido e isto não é bom. Você bem sabe que quando ele se zanga quem paga o pato somos nós.”

“Não me diga, Pedrão. Não me diga. Em que posso ajudá-lo?”

“Ele me pediu para organizar algo para distraí-lo, entretê-lo, mas estou sem idéias. O que sugere?

“Hummm. Deixe-me pensar. O duro é que quando estou de estômago vazio, penso muito mal” a frase saiu com um tímido sorrisinho de canto de boca. Percebendo a deixa, Pedro chamou o amigo e colega de Santidade para dentro da cafeteria. Pediram cafés fumegantes e bolinhos divinos (não poderiam ser diferentes). O apetite de Cristovão era lendário e ele não se fez de rogado: traçou dúzias de iguarias e bebeu jarras de café e chocolate quente, deixando mesmo um pouco a escorrer pelas longas barbas grisalhas.

“Já sei: tenho uma idéia!”

“Diga logo, estou ansioso,” retrucou o pobre Pedro. Cristovão ainda ordenou uns quitutes á titulo de “saideiras”, antes de limpar a garganta e dizer:

“Vamos organizar uma corrida de carros aqui no Céu. Um autêntico Grande Prêmio, como nunca se viu na Terra!”

“Sei não. Acha uma boa idéia? Não é perigoso?”

“Perigoso, Pedro? Esqueceu que aqui é o Céu? E que muitos dos pilotos que aqui estão, correram e pagaram os riscos com suas respectivas vidas?”

“Olha. Eu não entendo muito disso. Você pode me ajudar? Mas antes vou perguntar ao Senhor, o que ele pensa da idéia. Venha comigo.”

Entraram nos aposentos divinos com muito cuidado, como sempre faziam. Uns anjos dormitavam e nem notaram a passagem dos dois Santos. Deus cochilava, com uma copia gasta da “Divina Comedia” de Dante, que ele lera e relera milhares de vezes. Um conservador, esse Deus.

“Diga-me Pedro. Olá Cristovão. A propósito, você esta engordando. Têm algo em mente?”

Pedro adiantou-se, sempre tinha a sensação de perder a fala ao dirigir-se ao Mestre. Por mais eternidades que passasse servindo-O, isso não mudava.

“Sim, Senhor. Cristóvão sugeriu uma corrida de carros. Temos os melhores pilotos aqui em cima, é só uma questão de ajustar detalhes.”

“Esplêndida idéia! Mas preste atenção: não quero o Balestre envolvido nisso. Sei que ele subiu há pouco, deixe aquele francês narigudo fora disso.”

“Ótimo Senhor. Organizaremos tudo.”

“Outra coisa. Quero a corrida numa reprodução fiel do circuito de Nurburgring. E quero todos os pilotos com um mesmo modelo de carro. Pode ser o Maserati 250F. Chamem-me de saudosista se quiserem.”

“Sim Senhor.”

***



Pedro contou com a colaboração de Cristovão e de outros Santos que gostavam de corridas. No Céu, as dimensões de tempo são diferentes, então tudo pode ser feito rapidamente. Começaram a convocar os pilotos. Nuvolari foi logo lembrado e ficou muito feliz, pois estava a muito coçando o saco e bebendo Lambrusco. O pequeno mantuano se dispôs a ajudar a convidar os colegas. Fangio foi facilmente convencido, assim como Ascari. Farina se apresentou, e sendo advogado queria saber do regulamento aprovado. Fagiolli e Rosier ficaram excitados, mas Cristovão lhes disse que apenas campeões mundiais poderiam participar, eles ficariam na reserva. Indignados, pois achavam que as regras terrenas eram injustas, mesmo assim, se ofereceram para colaborar. Gonzáles que ainda não morreu, recebeu uma mensagem num sonho, em sua Argentina e ficou com vontade de morrer, mas também não foi campeão, então ficou na vontade mesmo. Hawthorn, que bebericava o chá das cinco, ficou muito feliz em poder participar. Trintgnant, Musso e Bira mordiam os lábios de vontade, mas tampouco foram campeões. Moss foi outro que ainda não morreu e ficou sabendo da tal corrida. Foi á sua muito britânica paróquia conversar com Deus em particular e pediu para subir. Não foi atendido, pois ainda tem um tempinho por aqui, segundo o Manda-Chuva. (não, São Pedro não é o verdadeiro Manda-Chuva, ele apenas é o encarregado do departamento Hídrico do Céu).

O alvoroço era geral. O Príncipe Rainier e a belíssima Grace Kelly, ou princesa Grace se ofereceram para entregar o Troféu. Phil Hill que morreu a pouco mais de um ano, ainda perdido pelos labirintos do Céu, modestamente declinou a oferta, dizendo ter sido campeão por obra e graça da morte de seu então companheiro Von Tripps. Este, entre muitos goles de cerveja da Bavária, se disse lisonjeado, mas fora de forma. Acho que não queria encontrar-se na pista com Clark, mais uma vez. Jim Clark, pastoreando ovelhas e feliz com isso, ficou surpreso pelo convite. Em sua modéstia, apurada do outro lado, achou que não merecia ser convidado! Bruce McLaren andou sendo cogitado, afinal foi vice, mas disse que prefere ficar nos boxes. Brabham está firme na Austrália, perdeu o trem para cima algumas vezes e não tem pressa em chegar. Graham Hill, fazendo imitações para um canal de TV no Céu, adorando sua nova profissão, ficou muito feliz com o convite. John Surtees quis trocar de lugar com seu filho Henry, mas Deus não concordou. O menino vai assistir dos boxes, no entanto. Bandini e Pedro Rodrigues se ofereceram para testar e aquecer os carros e Jô Siffert quer trabalhar nos boxes. Scarfiotti vai ser bandeirinha, e Rindt achou a idéia ótima, está louco para correr. Denny Hulme não tem certeza, mas como campeão vai participar. Sente que McLaren merecia mais e sente saudades de Brabham. Bom sujeito o urso. Johnny Servoz Gavin e Lucien Bianchi querem ajudar na cronometragem assim como Jô Bonnier.

Clay Regazzoni anda furioso por aqueles três pontinhos que o privaram de ser campeão em 1974, mas disse que está disposto a ajudar. François Cevert e Elio de Angelis vão tocar piano na recepção depois da corrida e ambos deixam as mulheres do Céu em polvorosa! Mark Donohue é outro que quer ajudar de qualquer maneira, assim como Peter Revson, bronzeado como se estivesse em férias eternas no Hawai. Mike Hailwood brinca com todos e sua careca reluzente é motivo de piadas. Ronnie Peterson anda nervoso de um lado para outro, desejando não ter sido tão cavalheiro em 1978, quando ajudou Andretti a ganhar um titulo que facilmente poderia ter sido seu. Carlos Pace está por ali também, cansado de não fazer nada no Céu, animado conversando com seus grandes amigos Luiz Antonio Grecco e Marivaldo Fernandes. James Hunt com uma latinha de cerveja (proibida no Céu) nas mãos chega de mansinho, com um sorriso largo no rosto bronzeado. Patrick Depailler e Tom Pryce, acompanhados de Roger Willianson, David Purley e Tony Brise querem ajudar também. Gilles Villeneuve chega meio avoado, querendo participar de qualquer jeito e fica feliz ao saber que alguns vice campeões serão convidados também. Didier Pironi se anima, também quer muito correr. Alboreto, também vice, fica feliz e quer uma oportunidade na corrida.

Neste momento, chega Ayrton Senna, ciente de que seu lugar na corrida está seguro, e torcendo para chover. Muitos outros pilotos estão ali, desde que os boatos sobre a prova se espalharam. No Céu tudo é possível e como num passe de mágica, uma perfeita replica do velho circuito de Nurburgring aparece. Lindo, limpinho, todas as guias pintadas, os boxes tinindo e os vinte Maseratis 250F, vermelhos, alinhados lado a lado. Cada um traz o nome de seu piloto na carenagem e a curiosidade da multidão que se aproxima é crescente.

A platéia é enorme e os pilotos vão ter oportunidade de treinar para se acostumar com os carros e com a pista. O carro numero 1 traz o nome de Fangio e ele conhece bem a maquina, já correu e venceu com uma. Nuvolari carrega o número dois e seu assento tem uma pequena almofada dada sua pequena estatura. O homenzinho é minúsculo, mas atrás de um volante transforma-se num gigante! Farina tem o três e Ascari o quatro. Sendo italiano já começa a reclamar de algo, mas eu me afasto pois estou curioso para ver o resto do grid. Hawthorn vai de cinco e o seis está com Phil Hill. O sete é de Clark e todos o olham com respeito; o oito pertence a Graham Hill. Denny Hulme traz o número nove pintado abaixo de seu nome e olha o carro com curiosidade. O dez é de Pelé, mas esse foi um erro, trocaram os esportes, as bolas, e depois de um bom sermão no Santo responsável pela mancada, apagaram o nome do “Rei” e colocaram o de Rindt. Onze foi para Hunt e doze vai para Senna. O treze que no Céu não quer dizer nada ficou para McLaren, quer preferia ficar como engenheiro de pista. Clay Regazzoni, muito animado vai alinhar com o numero catorze e o quinze será de Ronnie Peterson. Um eufórico Villeneuve recebe o dezesseis, e seu desafeto Pironi o dezessete. Na verdade, eles já fizeram as pazes faz tempo, um dos gêmeos de Didier chama-se Gilles. Alboreto é o dezoito e um surpreso de Angelis recebe o dezenove. O vinte fica para Depailler e ninguém reclama. Reservas Siffert, Rodriguez e Gunnar Nilsson, que chegou agora.

continua - Os treinos.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

REPOST: CONTINUANDO A SAGA



Amigos, eu fui mexer no vespeiro e agora saí picado! Comecei lá atrás uma despretensiosa seçãozinha “Cezar Fittipaldi – carreira de piloto na Inglaterra” onde narro minhas (des)venturas na Ilha de Sua Majestade, pelos anos 80, em busca de um lugar ao sol. Que fui fazer? Santo Deus, buscar o sol num lugar que só chove? Oras....

Bom, percebi que a seção estava engolindo o blog, e dei um tranco nela. Mandei largar de ser metida, ficar na sua, que o blog era para outras coisas: fazer amigos, palpitar, opinar, trocar experiências. Que esta seçãozinha não se metesse a besta comigo! Mas não tem jeito, volta e meia alguém me manda um e-mail reclamando da falta de atualização. O último foi o amigo André Canário, que cantou: poxa, Cezar, entro todos os dias no blog e nada de atualização!


Bem, bem, regressamos ao ano da glória de 1984 – título aliás do ótimo livro do George Orwell, que inspirou a expressão “Big Brother”. O Wham! Do George Michael e Andrew Ridgley estava surgindo com “Careless Whisper”, tínhamos Duran Duran, as lindas moçoilas do Bananarama, Frankie Goes to Hollywood, com Reflex, Sheena Easton. Muitas memórias. Frio, lareira, trabalhando em dois lugares. Dono de um carro de corrida, um trailler, dois motores, um monte de peças de reposição inúteis e pagando caro pelo privilégio de usar uma garagem dentro do circuito de Brands Hatch, a cerca de 35 minutos de carro de minha casa.

Resolvi procurar outro lugar e como sempre, nos classificados da Autosport achei. Que azar! O cara se chamava Keith alguma coisa, tinha uma oficina num bairro do sul de Londres que se chama Elephant & Castle. Cara de pinguço, oficina grande e desorganizada, no entanto tinha ótimos resultados: havia feito o “running” (preparação) de pilotos como Rob Wilson (neozelandês gente boa, mistura de músico de rock e piloto, que chegou a Formula 2) e Johnny Dumfries, além de outros menos conhecidos. Combinei com ele que ele faria a manutenção do carro, além de abrir e verificar o estado dos meus dois motores. Transportei toda a minha tralha para a oficina do cara e fiquei muito feliz, pois o acordo financeiro era bem razoável.

Foi aí que começou meu calvário. Eu ligava toda semana, com esperanças de participar de algumas provas ainda no primeiro semestre de 84, e sempre ouvia a mesma desculpa: o Keith estava muito ocupado e não tivera tempo de trabalhar no meu carro, ou motores. Que droga! Quando podia eu ia assistir ás corridas em Brands Hatch e ficava morrendo de inveja daqueles que podiam competir. Eu tinha carro, mesmo velho, era meu, e muita vontade, mas as circunstâncias não ajudavam. Para piorar, como eu não tinha grana, não podia pressionar muito o infeliz. Nessa altura fiz uma certa amizade com o Johnny Dumfries, que dois anos depois foi o companheiro de Ayrton Senna na equipe Lótus. O cara é o Barão de Dumfries, um lugar na Escócia, e tem muita grana, mas era a simplicidade em pessoa, no modo de falar, no modo de vestir-se. Pagamos boas cervejas um ao outro!

Nessa altura, desolado e para baixo, recebo um telefonema deveras estranho. Um sujeito (não me lembro o nome, mas ainda tenho o cartão dele em algum lugar) se dizendo executivo de uma agência de publicidade que representava a Talbot, queria falar comigo. Não adiantou muito o assunto, mas disse tratar-se de algo relacionado à moribunda Formula Talbot – categoria de monopostos, movidos a etanol, que na altura tinha apenas 6 ou 7 carros no grid. Eles queriam resgatar a categoria. Ótimo! Marcamos uma reunião e eu fui. No interior, lugar lindo, digno de filme de James Bond, uma espécie de castelo, com aquele pátio de cascalhos na frente e uma loira espetacular na recepção. As aparências enganam.....


continua