quarta-feira, 25 de abril de 2012

REPOST: O DIA SEGUINTE - TÍTULO ORIGINAL: CHEGUEI, ESTOU AQUI E AGORA? PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ EM 28 DE ABRIL DE 2009





Bom, eu prometi que continuaria, agora aguentem! Levantei-me meio confuso, estava no quarto andar do hotelzinho sem elevadores e o cheiro de bacon me atraia para o "basement". Após lavar o rosto, escovar os dentes e etc, me dirigi ao pequeno refeitório do modesto hotelzinho. Comi como um paxá, ou melhor um Lord inglês: english breakfast - torradas, feijão com molho de tomate, sausichas, bacon, ovos mexidos, geleía, queijo, café, suco de laranja, chá.....a fome realmente era transatlântica. Terminado isso deparei-me com uma crua realidade: estava numa cidade estranha, num país estranho, sem conhecer ninguém, sem falar a língua, sem ter uma noção do que fazer a seguir. 
Subi novamente ao quarto e deparei-me com um bilhete que o amigo da Elza havia pedido que eu entregasse a seu amigo que morava em Londres. Era um pequeno envelope branco, com o nome e endereço escritos ás pressas do lado de fora: Mario Antonio de Mello Dias - IMCO - 101-104 Piccadilly, London. Bom, era um começo pensei, vamos ver o que é esse tal de Piccadilly. Peguei um desses mapas para turistas na recepção do hotel e me concentrei em estudar as possíveis rotas para o tal endereço. Escolhi, por pura insegurança a rota mais longa, e mais segura aparentemente, apenas usando as ruas maiores. Eu não tinha noção de horário por causa do fuso e por ter dormido desde as 6 da tarde do dia anterior, mas acho que era menos de 7 da manhã. Apesar de ser finalzinho de abril, havia um ventinho gelado, portanto coloquei meu casaco (brega demais), um gorro na cabeça, luvas e fui caminhando. Park Lane, que maravilha, de um lado o Parque e do outro lindas lojas de autos, sofisticadas como eu jamais havia visto. Os carros passavam velozes, todos novos e bem conservados. Oxford Street com suas incríveis vitrines, gente começando a chegar para os seus trabalhos, aqueles ônibus de dois andares que a gente vê nos filmes e eu caminhando. Piccadilly circus, aquela loucura, a fonte, tráfego, gente apressada, turistas batendo milhares de fotos, os out doors coloridos. Virei e peguei a Piccadilly propriamente dita, mas os números não eram sequenciais, fiquei meio perdido mas continuei a caminhar. Do outro lado um parque lindo (Green Park) e deste lado aqui lojinhas simpáticas e acolhedoras. Eu certamente não conhecia ninguém, não falava a lingua, mas me sentia estranhamente em casa naquela manhã de 24 de abril de 1980.
Cheguei finalmente ao prédio de número 101-104, um prédio enorme com uma escadaria imponente e réplicas de navios numa espécie de vitrine. Subi, entrei e havia um homenzarrão de quase dois metros de altura sentado atrás de uma mesa. Ele me olhou e perguntou em seu inglês cockney : - May I help you young man? Claro que eu não entendi patavinas, portanto estiquei a minha mão com o pequeno envelope e o entreguei a ele. Calmamente Ray (este era o seu nome e depois rimos muito desse primeiro pequeno encontro - anos depois) colocou seus óculos e exclamou- Mário! you want to see Mário! Pegou o telefone, discou um número, murmurou algumas palavras e percebendo que eu não o entendia, me fez sinal para aguardar um pouco, sentado no enorme sofá de couro da recepção.
Em alguns minutos um jovem, simpático e sorridente desceu pelas escadas, assobiando, a imagem de um sujeito simples e feliz da vida e ao sinal de Ray dirigiu-se a mim: - Yes, I'm Mário, may I help you? - ao que eu respondi: - Cara, sou brasileiro, você fala português? Ele sorriu e em bom carioquês me retrucoou: - Brasileiro? grande merda....eu também sou, dando uma sonora gargalhada. Entreguei-lhe o bilhete, ele o abriu e leu rapidamente e dirigindo-se a mim disse: Então tu é brasileiro e tá chegando aqui hoje, hein? O Carlinhos disse que tu é um cara legal, para eu te dar uma força. Até aquele momento eu não sabia o nome do remetente do bilhete, e expliquei rapidamente ao Mário a situação, que eu não o conhecia, mas que a moça havia me ajudado etc. Este me falou, escuta, eu estou ocupado agora, dá para você voltar ao meio dia e almoçamos juntos? Eu respondi que claro que sim, aliás nem sabia que horas eram, tinha caminhado um bocado. Despedi-me e continuei a caminhar até a esquina, onde deparei-me com uma enorme banca de revistas (minha paixão desde sempre). Fiquei extasiado com tamanha variedade e comprei uma "Autosport" com o Nelson Piquet e sua Brabham na capa, acho que tenho esse exemplar até hoje. Dirigi-me ao parque, sentei-me num banco e com a ajuda de meu pequeno dicionário Michaelis, tentei decifrar a revista. Naquele momento, frustrado por não entender nada, prometi a mim mesmo que viria a dominar aquela língua tão diferente e tão importante.
Ao meio dia em ponto, estava na recepção da IMCO, esperando por Mário. Fomos caminhar em May Fair, logo atrás e ele contou-me sua história: morava há sete anos em Londres, era músico tendo inclusive tocado com gente importante como Rita Lee e foi para a Inglaterra com um contrato com a EMI, e os demais integrantes de seu grupo acabaram desistindo deixando-o sozinho em Londres. Isso ele tinha apenas 19 anos, mas como falava inglês, resolveu ir ficando e acabou arrumando aquele emprego, num órgão da ONU. Era casado com Angela, uma bailarina do Royal Ballet, tinha três gatos (arghhh) e gostava de automobilismo tendo sido amigo do Julio Cesar Pinheiro, piloto brasileiro que havia corrido alguns anos antes na Ilha. Nos demos super bem e ele prometeu me ajudar. Voltei (a pé ) para o hotel bastante confiante e feliz, pois havia feito o primeiro amigo naquela terra que prometia muito. O futuro iria provar que aquele seria um dos maiores amigos que fiz em toda a minha vida!

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