Pois bem: espero pacientemente minha vez, procuro um lugar para colocar o macacão verde musgo e largo que havia trazido de Ourinhos e que arranca risinhos dos outros "pilotos", e é difícil achar um local com privacidade para isso, uma vez que os banheiros públicos são bem ....públicos mesmo! Inútil também tentar achar algo decente para comer, não me canso de me surpreender negativamente com o amadorismo das instalações dos circuitos ingleses, mesmo os mais importantes como Silverstone e Brands Hatch. Muita lama, estacionamentos distantes, comida nauseante, muita confusão, mas um domingo típico leva mais de 200 competidores e milhares de fãs. Engraçado é que os garotinhos vêm conversar com você, esticando os braços com os programas das corridas e pedem seu autógrafo na página em que está a sua prova, de preferência sobre seu nome.
Mas, vamos voltar a Lydden Hill. Eu seria apenas o terceiro a testar o carro, mas para minha frustração e da nação em geral, o gordinho entalou dentro do carro e precisou ser cortado com maçarico! - To brincando, na verdade a anta do gordo bateu o carro de frente numa barreira de pneus do outro lado da pista, e realmente, ficou sentado dentro do carro esperando socorro. Recolhe as ferramentas, destroca o macacão, a fome apertando e o cara fazendo que não entendia quando eu lhe pedi a minha grana (100 libras pelo teste) de volta. Eu olhei bem nos olhos dele, me lembrei de meus tempos de garoto em Ourinhos quando havia brigas na saída do Horácio Soares quase todos os dias, e que em algumas delas eu era obrigado a me envolver também, fechei os punhos e falei em bom portuinglês: I soc you! (até hoje não procurei no dicionário se há um verbo to soc, mas acho que funcionou, porque ele me chamou Na van e me devolveu a grana).
Claro que uma carona até a estação estava descartada, pus-me a andar e o circuito, além de longe fica no fundo de um vale. Caminhei por uma hora ou mais e cheguei na pequena estação bem a tempo de apanhar um último trem para Londres, frustrado, amargo e muito puto!
Isso foi numa quarta-feira, se não me engano. Qual não foi a minha surpresa ao receber um telefonema do tal de Richard no sábado a tarde, me chamando para competir no dia seguinte em Brands Hatch, e melhor, de graça! Meu inglês era fraco, mas fora bem treinado para detectar a palavra "free" em qualquer situação, e meio descrente ainda, marquei com ele para me pegar na estação as seis da manhã seguinte.
Nem dormi a noite, preparei minhas coisas, lembrei-me de passar num mercadinho e comprar pão de forma, queijo e presunto, pois não queria passar fome novamente. Licença de piloto, capacete lustrado, macacão - ainda o verde musgo - carteira de piloto provisória, e muita vontade. Levantei antes das cinco, tomei banho (que frio....) e pus-me a caminho da pista. Cheguei pouco depois da seis e um animado Richard, sorridente e com aparente problema de amnésia (nem mencionou o "soc"). Ele me disse que eu seria um de três pilotos que utilizariam o carro naquele "meeting", no lugar de um desistente, e como o rapaz não fizera questão de buscar a devolução do dinheiro, eu poderia pegar alguma prática. Olhei o programa e eu seria um tal de Tobby alguma coisa, mas nem liguei. Brands Hatch era bem mais movimentado que Lydden Hill e apesar de já ter assistido a algumas corridas naquela pista, jamais havia entrado na mesma, a pé ou de carro. A minha prova era a primeira, portanto ele me recomendou que me trocasse e ficasse pronto. Ansioso, esperei pacientemente até que descarregassem o "bólido" do pequeno trailer e pude verificar, para meu alívio que o negão não era um dos outros dois pilotos do carrinho azul. Como existiam otários naquela época!
Richard tentou me dar algumas explicações sobre temperaturas de pneus, macetes da pista, estas coisas, enquanto eu entrava no carro e apertava o cinto de segurança, mas francamente, eu não o ouvia, tamanha era minha excitação! Não só era meu primeiro treino oficial, como também era o primeiro treino da minha vida, já valendo tempo e numa pista que eu jamais estivera, do alto da experiência de um curso de inverno de escola de pilotagem.
Funcionei o motor, aqueci, e esperei pacientemente para entrar na fila que ia para a pista. Não se esqueceram de colocar a plaquinha amarela com a letra "L", como para avisar aos outros o perigo ambulante que estavam prestes a encarar. Tudo acontece muito rápido: você acelera, entra na pista, acelera mais, parece não sair do lugar, e logo vai tomando volta dos mais rápidos, preocupando-se mais com o espelho retrovisor do que com a pista adiante. Uma volta, duas, muito rápido numa curva, rodei, bandeiras amarelas, motor funcionando, engatei primeira e segui novamente. O coração acelerado, o rosto certamente vermelho de vergonha, a balaclava roxa fazendo bem o seu papel de esconder isso do mundo! Procurei terminar o treino e não fazer mais besteiras, de vez em quando dava para olhar o conta-giros e os outros relógios no painel, mas em 20 minutos, você aprende muito, muito mais que em uma semana de curso. Classifiquei-me em ante-penúltimo, acho que os outros dois caras estavam competindo de bicicleta, porque sabia que tinha muito que aprender. Se bem me recordo, meu tempo foi por volta de 59 segundos para o circuito indy de Brands, quando os ponteiros já rodavam por volta de 50 cravados. Richard ficou muito feliz que eu tivesse trazido o carro em uma única peça de volta para os boxes, mas mal pode me dar atenção, pois havia ainda duas classificações para outras duas corridas com o mesmo carro. Nem me lembro do tempo dos outros pilotos, suas corridas eram mais difíceis, mas acho que me saí bem, pois todos me olhavam com um certo ar de respeito, ou talvez, o meu macacão de brim verde musgo os impressionasse, sei lá.
A minha largada era logo depois do almoço, e eu super ansioso recebo a boa notícia: o alternador não carregava a bateria e a única que tínhamos havia descarregado quase completamente. Portanto, teríamos que ligar o carro no tranco (escondido dos fiscais), coisa que para mim era fácil, pois meu pai havia me treinado durante anos com uma infinidade de carros velhos e sem partida, mas eu não poderia em caso de rodar novamente, deixar o motor morrer. OK, no problem, Richard!
Um dos momentos inesquecíveis de minha vida foi a volta até chegarmos ao ponto de partida de Brands Hatch naquele domingo frio de 1981 - nem me lembro a data exata. Mas foi incrível, eu olhava para as arquibancadas de dentro de meu capacete de motos, verde como o macacão, e mal podia acreditar que estava ali, do lado de dentro da pista. Acho que havia uns vinte e oito carros no grid, eu era o vigésimo-sexto e decidi não me estressar, apenas curtir a corrida, como se fosse a única de minha vida. E foi exatamente o que fiz: larguei bem, passei uns dois, outros dois saíram rodando na curvona depois da linha de chegada e fui conduzindo o carro até o final, tranquilo, sem olhar os relógios do painel, até que.....a bateria foi ficando fraca e o carro perdeu rendimento, após umas cinco ou seis voltas de 15. Pena. Estacionei ao lado da pista e fiquei observando os outros pilotos, capacete na mão e me sentindo um piloto. Desnecessário dizer que minha ansiada assinatura na licença não veio, por não ter completado a prova, mas Richard me teceu muitos elogios.
De volta a realidade, comecei a matutar como conseguir dinheiro para mais treinos e mais provas. Havia ficado definitivamente viciado no negócio. Queria mais e mais!
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